Festival de Cinema de Itabaiana leva o cinema para a rua
- Anderson Ribeiro
- 3 de ago.
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Moradores do povoado Carrilho assistiram ao filme ‘Kasa Branca’, de Luciano Vidigal

O projeto ‘Cinema de Rua’ já é parceiro antigo do Festival Internacional de Cinema de Itabaiana e juntos, prezam pela máxima de que descentralizar é preciso; e por isso transpõem as paredes das salas de cinema para levar a sétima arte – sempre um longa convidado – a povoados e bairros periféricos do município. Nesta 4ª edição, os locais selecionados para a exibição do filme ‘Kasa Branca’, de Luciano Vidigal (Rio de Janeiro, 2024), foram o bairro São Cristóvão e o povoado Carrilho, este, conhecido pelo manejo e comércio da castanha de caju.
E não é só isso! As sessões do ‘Cinema de Rua’, foram acompanhadas da presença do diretor, que assistiu o seu longa no meio da plateia. No povoado Carrilho, Luciano falou sobre o impacto que teve com a exibição do filme. “Quando vi as pessoas chegando, sentando, olhando pra tela, não tem como dizer que não fico emocionado. Bate uma emoção porque eu vou na minha criança. Criança, morador de favela e que teve acesso a arte gratuita e que transformou a minha vida. Eu sou dessa religião de que a arte transforma”, salientou.

O projeto Cinema de Rua já passa dos 10 anos de atuação no município de Itabaiana. É a arte sendo democratizada da forma mais revolucionária possível. “Permitir o acesso à cultura a quem precisa de acesso, deveria se tornar lei e políticas públicas de forma emergencial. Quando a gente vem pra um festival como este que faz cinema de rua e que leva a nossa arte, que veio da favela, para o povo, é a gente se comunicando diretamente. Quando a gente vê uma arte, precisamos ter um espelhamento, você se vê; e essas pessoas vão se ver porque é a história do povo para o povo”, enfatizou o cineasta.
E por ser revolucionário a exibição foi como uma grande novidade, a comunidade parou e ficou com os olhos vidrados no filme. A cada cena, tensão; atenção; deslumbramento. Não é sempre que se pode assistir a um filme numa tela gigante e ainda perto de casa. Gilvânia Mesquita é lavradora e moradora do povoado Carrilho. Essa foi a primeira vez que ela assistiu a um filme em outra tela que não fosse da TV. “Pra mim foi maravilhoso ter um cinema perto de casa. Eu nunca tive a oportunidade de ir ao cinema e espero que tenha mais vezes pra eu poder assistir. Sou muito agradecida”, relatou a lavradora.
Já para Henrique Daniel de Jesus Santos, de apenas 10 anos, foi uma experiência, em suas palavras, sensacional. “Gostei da música e da cena que a velhinha estava internada, quase chorei. Achei também a amizade (do neto de Dona Almerinda com dois amigos) muito boa, ela é forte. Gosto filme de ação, mas gostei desse e saber que é verdade é muito triste”, disse Henrique envergonhado, mas feliz.
Relatos como esses é o que faz Thiago Santana, integrante do projeto Cinema de Rua, seguir no ofício de ser agente cultural. ‘Levar o cinema até as pessoas de regiões periféricas é inclusão. Claro que elas podem assistir filmes pela televisão. Mas não tem os encontros, a magia de estar numa sala escura ou na rua que é o que a gente faz, dando oportunidade de vivenciar todos juntos. Eu, quando criança, não tive a oportunidade de ir a uma sala de cinema. Quando eu tinha uns 13, 14 anos, já não tinha mais cinemas na minha cidade, que é Itabaiana. Eu vejo no rosto dos outros que é um sonho pra eles, como é um sonho pra muita gente ir à praia. Tem muita gente que nunca foi à praia. A mesma coisa é o cinema. Projetar um filme como este que não passa na televisão, as crianças verem, sentir o som é muito bom. As reações da garotada do povoado são diferentes das crianças dos bairros da sede da cidade. Elas têm mais atenção, sorrisos largos, a alegria estampada. Fazer esse trabalho é cansativo, mas é muito gratificante porque sei que estou entregando um serviço de qualidade, porque elas merecem” disse Thiago com brilho nos olhos.
E Thiago não está sozinho. Maria Cristina da Silva, secretária da Associação de Moradores do Povoado Carrilho também não esconde a satisfação de ver no rosto das crianças o deslumbramento que o cinema causa. “Eu acho bem bacana essa ação do festival. Tirar da sala de cinema pra levar ao ar livre, pra trazer pra comunidade. Muitas vezes as crianças não têm oportunidade de sair de casa e de ir ao cinema. Atividades como essa são muito estimulantes pras crianças. A gente pode inspirar a criar sonhos, alimentar a imaginação das crianças dando acesso a elas”, destacou.
E como evidencia o tema do Festival de Cinema de Itabaiana deste ano: o ‘Cinema Transforma’. E transforma pela magia, transforma pelo acesso, transforma porque fortalece a identidade cultural de um povo. E sendo a arte é um direito fundamental para o desenvolvimento individual e social, o diretor Luciano Vidigal sentencia: “O acesso é irmão da oportunidade. Quando se tem isso a gente chega mais perto do sonho. É revolucionário; o cinema de rua pra mim, é revolucionário”.



